Primeira visita ao Ceac
Data da atividade:
- Caderno de campo
Autor:
- Caio Pagin Vilas Bôas
Primeiras impressões
O sonho arquitetônico
Antes de conhecer o Colégio Estadual Amaro Cavalcanti (Ceac) imaginava-o completamente diferente, do ponto de vista arquitetônico e de sua conservação. Sinceramente, esperava encontrar um Centro Integrado de Educação Pública (Ciep)[1] depredado. Creio que essa expectativa tenha sido construída a partir de uma generalização das instituições de ensino público falidas. Contudo, as minhas expectativas foram frustradas, no bom sentido. A escola me surpreendeu enormemente.
Anteriormente ao nosso primeiro encontro na sexta-feira (dia 14 de março de 2014) no qual seríamos apresentados (os integrantes do projeto Pibid) ao corpo docente do Ceac, procurei saber a sua localização. Tinha acabado de me mudar para o bairro do Flamengo e sabia que o colégio ficava no Largo do Machado, região muito próxima a minha casa. Impressionou-me o quão próximo estava do colégio, nada mais que cinco minutos de caminhada. Na noite anterior ao encontro, perambulando pelas redondezas, me deparei com o belíssimo prédio. Logo no primeiro contato, fiquei maravilhado com a sua imponência arquitetônica. O prédio possui, em sua fachada de dois pavimentos, a data 1876 (acredito ser a data de inauguração) e, acima da porta, uma mensagem emblemática e repleta de significado - “Ao povo, o governo”. Quando essa mensagem foi escrita? Será que foi a mando do Imperador ou foi pós-proclamação da República? Quatro estátuas representando entidades greco-romanas adornam a fachada; no topo, guardado por dois anjos, está o brasão da República. As escadarias são zeladas por dois leões esculpidos em pedra e, salvaguardando o prédio, há robustas grades de ferro fundido. Uma obra de arte.
De braços “abertos”, algumas trancas e segurança armada
Quando nos encontramos (o grupo Pibid) para a reunião oficial que estava marcada para as 15 horas daquela sexta-feira, esperávamos encontrar a direção pronta para nos receber. Entretanto, nos deparamos com portas fechadas e trancadas (da direção, da biblioteca, do auditório). Toda aquela beleza externa não se repetia internamente: além da ausência dos representantes da instituição com quem havia sido marcada a reunião (a não ser o professor Vitor Paulo), encontrei também algumas janelas quebradas, gambiarras elétricas aqui e acolá, graves problemas acústicos, principalmente em duas das maiores salas que estão de frente para a praça.
Notei que um dos personagens que fazia parte da estrutura do colégio era um policial militar que se encontrava na entrada do prédio. Perguntei a ele o porquê da necessidade de um policial. Pelo que me lembro, suas palavras foram: “Há alguns anos houve problemas entre professores e alunos e, por isso, foi feito um convênio entre a Secretaria de Educação e a de Segurança para trazer mais tranquilidade aos arredores da escola.” O policial terminou o bate-papo assim: “Mas pode ficar tranquilo, porque aqui é suave.” Fiz uma breve pesquisa sobre o assunto e encontrei, no site da Subsecretaria de Comunicação Social do estado, uma notícia sobre o assunto datada de abril de 2012. A decisão acerca da presença de policiais nas escolas se deu após o massacre de Realengo, episódio trágico que culminou no assassinato de 12 adolescentes e no suicídio do atirador. De acordo com a subsecretaria, a medida tem caráter preventivo e colaborativo e o papel do policial é de evitar violência na escola, tráfico de drogas, auxiliar com o trânsito, entre outras coisas. [2]
Quem nos guiou pela escola foi o professor Vitor Paulo, um dos participantes do projeto e representante da escola no grupo do Pibid. Durante o tour, ao visitarmos a sala dos professores tivemos contato com alguns membros do corpo docente – tinha acabado de acontecer uma festinha de aniversário, perdemos o bolo – e percebi que estávamos em uma escola boa, ou melhor, bonita, ao conversar com uma professora veterana de profissão, mas novata e encantada com a escola. No pouco tempo em que papeamos, essa senhora me mostrou, pelo menos, uma dezena de fotos do prédio. Disse que havia mandado para os amigos e que todos a invejavam. Aparentava muito contente de estar ali, como se um prédio bonito fosse um mana que trouxesse uma energia revigorante (pelo menos momentânea). Na sala, além da professora de português que me mostrou as fotos, havia a professora de espanhol e, passando rapidamente, o professor de matemática, que, por sinal, não foi reconhecido pelo professor Vitor. Acredito que ele não o reconheceu devido às proporções do colégio, que funciona durante os três períodos no dia (matutino, vespertino e noturno), além do fato de o corpo docente ser bem numeroso.
O professor, hoplita, oncologista
No final do tour com o professor Vitor Paulo nós acabamos em uma das salas do último andar, que mencionei anteriormente quando me referi ao problema acústico. Lá conversamos, ou melhor, ouvimos alguma das experiências e impressões diárias do professor, que consolidaram o personagem professor Vitor Paulo. Falo isso, pois, durante a conversa, o professor afirmou que ele era outro dentro de sala e que a sala de aula despertou um personagem dentro dele, o qual não conhecia antes de ingressar na carreira docente. Segundo ele, o processo de entrada em sala de aula segue os parâmetros de uma metamorfose, não física, mas comportamental. As características de sua personalidade se reorganizam perante um novo ambiente, que, de acordo com o professor, era pouco amigável. Essa primeira impressão que tive do professor Vitor Paulo foi bastante interessante e nostálgica. Senti-me novamente no ensino médio ouvindo as mesmas reclamações de alguns dos meus antigos professores. Os exemplos, as metáforas, os léxicos utilizados por ele eram repletos de força. Aparentava uma constante batalha civilizatória contra os bárbaros sanguinários. Uma constante empreitada para se tentar domar leões que estão à espera de um deslize para atacar. O professor usava expressões como “metástase”, “os guerreiros inimigos”, “os galos invasores do seu galinheiro”. Percebi que ele sente uma saudade de um tempo que não volta mais, e esse sentimento saudoso funciona como uma âncora que o segura e o frustra, ao mesmo tempo. Isso tudo somado à terrível acústica da sala, que deve gerar um sentimento desmotivador para a profissão. Esse exemplo me mostra que o sistema educacional ainda é muito conservador, uma vez que sua estrutura organizacional permanece imaculada: o professor sendo o portador do conhecimento e os alunos sentados enfileirados “sedentos por aprender”. Outros exemplos também nos mostram o quanto o sistema educacional está atrasado em um mundo que se mostra cada vez mais plural.
Projeto
A partir das minhas duas visitas feitas ao colégio (a exploratória e a oficial) tive uma ideia de produzir uma aula utilizando a fachada do prédio como material didático, para construir e enriquecer um laço entre o aluno e a escola. Utilizar a riqueza de detalhes da fachada para contar o período que engloba o final do segundo reinado e a proclamação da República. Sugiro explorar a fachada, ou seja, utilizar os símbolos que estão em evidência como as estátuas, o portão, o dizer na fachada, o brasão da República, e desvendar outras pistas que expliquem o período tão conturbado. Buscar, a partir de uma pesquisa iconográfica, fotos e desenhos da região para mostrar as transformações que ocorreram na urbanização da praça com o passar do tempo. E, com isso, construir um vínculo entre o aluno e sua escola, mostrando a importância do prédio para a cidade e para ele próprio.
[1] Os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) também ficaram conhecidos pela alcunha de “Brizolões”, por terem sido implementados por Leonel Brizola, governador do estado do Rio de Janeiro de 1983 a 1986 e de 1991 a 1994. A concepção do projeto educacional foi de autoria do antropólogo Darcy Ribeiro, que, por sua vez, seguiu os passos do educador Anísio Teixeira. Nas palavras de Darcy Ribeiro: “O Ciep é uma escola que funciona das 8 horas da manhã às 5 horas da tarde, com capacidade para abrigar 1.000 alunos. (...) No bloco principal, com três andares, estão as salas de aula, um centro médico, a cozinha e o refeitório, além das áreas de apoio e recreação. No segundo bloco, fica o ginásio coberto, com sua quadra de vôlei/basquete/futebol de salão, arquibancada e vestiários. Esse ginásio é chamado de Salão Polivalente, porque também é utilizado para apresentações teatrais, shows de música, festas etc. No terceiro bloco, de forma octogonal, fica a biblioteca e, sobre ela, as moradias para alunos-residentes” (Darcy Ribeiro, O livro dos Cieps. Rio de Janeiro: Bloch, 1986, p. 42).No decorrer dos dois mandatos de Leonel Brizola foram construídos 506 Cieps em todo o estado do Rio de Janeiro. Entretanto, o projeto perdeu forças e foi sendo desestruturado durante os dois governos seguintes. Mais informações sobre o projeto do Ciep e estudos feitos acerca do próprio estão em: http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe1/anais/017_ana_maria_vilella.pdf, acesso em 16/7/2014; http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4696.pdf, acesso em 16/7/2014; http://teiaufmg.com.br/publication/view/representacoes-do-jornal-o-globo-sobre-os-cieps/, acesso em 16/7/2014; http://redeglobo.globo.com/globoeducacao/noticia/2013/08/para-1008-darcy-ribeiro-e-anisio-teixeira-exemplos-de-luta-pela-educacao.html, acesso em 16/7/2014; http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=83, acesso em 16/7/2014.
[2] Disponível em: http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=906680, acesso em 30/5/2014.