História do Ceac

Trajetória histórica do prédio sede do Colégio Estadual Amaro Cavalcanti

Texto de autoria do bolsista de iniciação à docência Caio Pagin Vilas Boas, 26 de setembro de 2014

 

O Colégio Estadual Amaro Cavalcanti faz parte de um grupo seleto de oito prédios, que ficaram conhecidos como “escolas do imperador” e foram construídos entre 1870 e 1877. Tais prédios ganharam esse “título” pois foram edificados a mando do imperador Pedro II, após esse recusar a ereção de uma estátua em sua homenagem para comemorar a vitória brasileira na guerra contra o Paraguai (1864-1870).

O prédio que, na época, recebeu o nome de Escola da Glória, pois se encontrava no então largo de Nossa Senhora da Glória, mais especificamente, na praça Duque de Caxias, hoje largo do Machado, começou a ter sua história escrita no ano de 1871. Aureliano Restier Gonçalves (1881-1967), autor de Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: terras e fatos, livro escrito entre 1949 e 1964 sobre a trajetória dos principais logradouros do Rio de Janeiro, assim descreve o local:

 

terreno de 18 braças[1] de frente por 24 de fundo, pertencente ao dr. José Marques de Sá e irmãos e aos quais foi comprado, em janeiro de 1871, pelo governo Imperial para a edificação de um prédio apropriado a uma escola de ensino primário. Esse prédio construiu-se espaçoso, de cantaria e boa feição arquitetural e nele instalou-se a Escola da Glória. O terreno sendo foreiro à municipalidade do Rio de Janeiro, a venda fez-se com a devida licença da Ilustríssima Câmara, pelo alvará de 7 de janeiro de 1871. Foi avaliado à razão de um conto de réis a braça, pagando o governo sob essa base e obrigando-se ao foro anual de mil e seiscentos réis. Posteriormente, para aumentar o prédio e fazer um parque, a Fazenda Nacional comprou mais quatro braças de terreno a Eugenia Cadeac, por nove contos de réis.[2]

 

A Escola da Glória teve como arquiteto o professor e idealizador da Escola Politécnica Bethencourt da Silva, que também desenvolveu o projeto arquitetônico para a Escola de Santa Rita, situada na então freguesia de Santa Rita, hoje Colégio Estadual José Bonifácio.[3]

Aquela terra vendida pelo dr. José Marques de Sá e irmãos no ano de 1871 teve seu destino traçado para ser testemunha das transformações educacionais brasileiras. O prédio foi inaugurado em 10 de abril de 1875 e serviu de abrigo a uma escola primária pública para meninos e meninas.[4] Apesar de não ter sido a primeira escola pública do Império, teve um papel político de peso para as discussões acerca da necessidade de uma educação pública para todos, e a função reparadora da própria para os males do Estado. Em discurso na cerimônia de inauguração da escola, Bethencourt Silva celebrou a obra dizendo:

 

Na educação popular persiste a soberania dos governos livres. O povo, compreendendo a sua missão moral perante a sociedade e o seu fim perante a humanidade, sabe que pelo estudo e pelo trabalho adquire os direitos de transpor os misteres mais obscuros da sociedade aos encargos mais distintos da governação politica. Os povos mais ignorantes e mais grosseiros sempre foram os mais viciosos e corrompidos.

A educação nacional, garantida para todos, corresponde á soberania das liberdades do povo no governo representativo.[5]

 

Os jornais da época que se mostravam a favor da educação para todos expressavam a importância simbólica e prática da construção da Escola da Glória. Jornais a favor do Império e da educação[6] apontavam D. Pedro II como homem das letras e sublinhavam o importante papel das escolas para trazer a civilização ao Brasil, para a formação de súditos-cidadãos e “progressivo surgimento de uma classe laboriosa”.

Além de escola, a edificação servia de palco para encontros intelectuais que receberam o nome de “Conferências populares da Glória”,[7] que tiveram lugar entre 1873 e 1888, com breve retomada em 1891. Os encontros buscavam apresentar à comunidade carioca as novidades científicas mais recentes, que atravessavam o Atlântico ou eram descobertas aqui, debates sobre diferentes assuntos, como educação, instrução da mulher e papel feminino na sociedade, literatura, teatro, história, saúde pública, entre outros. [8]

Na virada do século XIX para o século XX, o monumental edifício se manteve, mas o mundo havia mudado. A escravidão havia sido abolida, a família real se encontrava no exílio, a República fora proclamada e a cidade do Rio de Janeiro deixara de ser sede da Corte e se tornara o Distrito Federal, alteração que acarretou numa série de transformações e ebulições urbanísticas (reformas Pereira Passos, Paulo de Frontin e, posteriormente, Carlos Sampaio). No plano escolar, tanto arquitetônico quanto curricular as mudanças foram mais paulatinas; da construção da escola monumental até o fim da década de 1920, ou seja, quase seis décadas depois, somente tímidas reformas educacionais ocorreram, haja vista a difícil situação em que se encontravam as finanças brasileiras durante a primeira República.

Nesse contexto, um importante evento educacional que buscou superar as diversidades conjunturais foi a divulgação do revolucionário cinema educativo, que teve o prédio do Colégio Amaro Cavalcanti como cenário. A proposta buscava suprir por meio da linguagem fílmica o déficit educacional e profissional em que se encontrava o Brasil. Em 1929 foi organizada, no Colégio Amaro Cavalcanti, que, na época, se chamava Escola José de Alencar, pela então subdiretora técnica da Instrução Pública, a poetisa Cecília Meirelles, uma exposição de cinema educativo.[9] O local fora escolhido pois ali também se instalara o Museu Pedagógico Central.

 

A subdiretora técnica da Instrução, tomando a iniciativa de promover uma exposição de cinema educativo, que será inaugurada na próxima semana, ocupando várias salas da Escola “José de Alencar”, no largo do Machado, pôs em foco um dos problemas mais interessantes dos novos métodos de ensino e educação, cujo emprego, entretanto, por motivos mais de ordem econômica, não tem sido ainda, mesmo na Europa e nos Estados Unidos, desenvolvido na amplitude permitida pelo atual progresso da cinematografia.

A exposição, promovida pelo Sr. Jonathas Serrano[10], além de reunir elementos de todas as procedências a serem observados pelo professorado, vai também proporcionar ao público uma oportunidade para compreender a importância desse poderoso instrumento educativo que já está sendo introduzido, com vantajosos resultados, nas escolas primárias cariocas, apesar da escassez de recursos da municipalidade.[11]

 

O prédio, a despeito das conjunturas econômica negativa (crise de 1929) e política conturbada (revolução de 1930), continuava a ter um papel protagonista nas inovações educacionais. Por meio de movimentos pioneiros como este de Cecília Meirelles, novos ares foram sendo trazidos para o campo educacional. Em 1931 assumiu a direção da Instrução Pública do Distrito Federal Anísio Teixeira. No ano seguinte, 1932, um grupo de 26 intelectuais das mais diversas posições ideológicas assinou o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”.[12] A socióloga Helena Bomeny[13] relata que esse foi um marco para a renovação educacional no país.

Em abril de 1935, em meio a esse efervescente período de renovação político-educacional,  Anísio Teixeira, pelo Decreto Municipal n. 5.513, criou a Universidade do Distrito Federal (UDF).[14] Nela foram criadas cinco escolas: Ciências, Educação, Economia e Direito, Filosofia, e Instituto de Artes. As escolas de Economia e Direito e de Filosofia, além da reitoria da UDF, se instalaram na então Escola José de Alencar. Mas o tempo de vida da instituição foi muito curto, menos de quatro anos (1935-1939) de existência. Assim que foi instaurado o Estado Novo, vários intelectuais foram cassados inclusive o idealizador da instituição, Aluísio Teixeira.

 

BIBLIOGRAFIA:

 

GONÇALVES, Aureliano Restier. Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: terras e fatos. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal das Culturas, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro,2004.

Jornal do Comércio, 28/08/1929. Coleção memória carioca. Vol. 04. Disponível em http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/pdf/memoria_carioca_pdf/sao_%20sebast_%20rj_terras_fatos.pdf, acesso em 11/8/2014.

 

Jornal do Commercio, 28/8/1929. Material gentilmente cedido por Ana Mae Barbosa.

 

Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Educacao/ManifestoPioneiros. Acesso em: 14/08/2014.

 

Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n 48. p.2  1871 Disponível em: www.hemerotecadigital.bn.br, acesso em 11/08/2014

 

Conferências Populares. Periódico que pode ser consultado aqui: http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/confer%C3%AAncias-populares , acesso em 14/08/2014

 

 


[1] Braças: unidade de comprimento utilizada no texto de Aureliano Gonçalves equivalente a 2,20m (braça antiga) ou a 1,80m (braça inglesa). 

[2] Gonçalves, Aureliano Restier. Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: terras e fatos. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal das Culturas, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2004. 404p. il. Coleção Memória Carioca, vol. 4, p.112. Disponível em http://www0.rio.rj.gov.br/arquivo/pdf/memoria_carioca_pdf/sao_%20sebast_%20rj_terras_fatos.pdf, acesso em 11/8/2014.

[3] Reportagem da colocação da pedra fundamental da Escola de Santa Rita. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n 48. p.2  1871 Disponível em: www.hemerotecadigital.bn.br, acesso em 11/08/2014

[4] Reportagem da colocação da pedra fundamental da Escola da Gloria. Diário do Rio de Janeiro, n 360.  p. 1  Rio de Janeiro: 1870 Disponível em: www.hemeroteca.digital.bn.br, acesso em 11/08/2014.

[5] Reportagem da inauguração da Escola da Glória. Diário do Rio de Janeiro, n 106. p. 2-3 Rio de Janeiro: 1875 Disponível em: www.hemeroteca.digital.bn.br , acesso em 11/08/2014.

[6] O periódico A Escola – Revista de Educação e Ensino, que esteve em circulação entre os anos 1877 e 1878, funcionava como um veículo de informação sobre assuntos ligados a educação, didática e discussões sobre o campo educacional nacional e internacional.  Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br/acervo-digital/escola/351199. Acesso em: 13/8/2014.

[8] Dez desses encontros foram publicados no periódico Conferências Populares, que pode ser consultado aqui: http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/confer%C3%AAncias-populares. Um levantamento de todas as conferências encontra-se em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59701996000400007&script=sci_arttext, acesso em 11/8/2014.

[9] Informação constante no Jornal do Commercio de 28/8/1929.

[10] Foi professor e pedagogo brasileiro.

[11] Jornal do Commercio, 28/8/1929.

[12] Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Educacao/ManifestoPioneiros. Acesso em: 14/08/2014.

[13] Idem.

[14] Ver texto sobre o assunto disponível no portal do CPDOC: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos30-37/RadicalizacaoPolitica/UniversidadeDistritoFederal. Acesso em 14/8/2014.